SÉRIE INVESTIGAÇÃO FILOSÓFICA - TEXTOS SELECIONADOS DE EPISTEMOLOGIA - III EVIDÊNCIA
SÉRIE INVESTIGAÇÃO FILOSÓFICA - TEXTOS SELECIONADOS DE EPISTEMOLOGIA
ORGANIZADORES: L. H. MARQUES
SEGUNDO & JULIANO SANTOS DO CARMO
EDITORA UFPel – III EVIDÊNCIA
De minha parte, penso que se alguém estivesse a
procurar por uma única expressão que capte o estágio ao
qual a filosofia progrediu, “o estudo da evidência” seria
uma escolha melhor do que “o estudo da linguagem”.
(A. J. Ayer, Philosophy in the Twentieth Century)
E quando tentamos definir “evidência” [...]
descobrimos o quão difícil é.
(R. G. Collingwood, The Idea of History)
O conceito de evidência é central para a Epistemologia e
para a filosofia da Ciência, mas não é um termo apenas usado por filósofos,
além deles pessoas comuns, advogados, investigadores, repórteres e juízes entre
outros falam em seu cotidiano sobre evidência.
Investigadores forenses: Impressões digitais numa
arma.
Advogado criminal: Pode alegar que a evidência que
supostamente incrimina seu cliente foi plantada por alguém.
Historiador: Poderia consistir em documentos
recém-descobertos.
Essa reflexão sugere que a evidência consiste em objetos
físicos, e é difícil conciliá-las com as abordagens filosóficas acerca da
natureza da evidência.
RUSSEL: (O maior empirista da primeira metade do
Século XX) pensava em termos de dados dos sentidos, itens mentais presentes na
consciência e que o sujeito está em contato direto.
QUINE: (O maior empirista da segunda metade do século
XX) insistiu que evidência consistia de estímulos nos receptores sensoriais do
sujeito
POSITIVISTAS LÓGICOS: Sustentavam que qualquer que
seja a evidência a favor de uma teoria científica, ela é propiciada por
enunciados observacionais ou “sentenças protocolares”.
WILLIAMSON: A evidência que alguém possui consiste na
totalidade de proposições que essa pessoa sabe.
CONEE, FELDMAN: Evidência consiste exclusivamente nos
estados mentais ocorrentes da pessoa.
TEORIA DA CONFIRMAÇÃO (Versão elevada do
bayesianismo): Identifica naturalmente a evidência possuída pelo sujeito com as
suas crenças psicologicamente certas.
Da perspectiva do senso comum a maior parte da teorização
filosófica sobre a evidência parece cometer um erro categorial grotesco.
1 - EVIDÊNCIA COMO AQUILO QUE JUSTIFICA UMA CRENÇA
De qualquer forma, o conceito de evidência é inseparável
do de justificação. Quando falamos de “evidência” num
sentido epistemológico, estamos falando sobre
justificação: uma coisa é “evidência” para outra apenas no
caso em que a primeira tende a aumentar a razoabilidade
ou a justificação da segunda [...] Um conceito estritamente
nãonormativo de evidência não é o nosso conceito de
evidência; é algo que não entendemos.
(Jaegwon Kim,
What is “Naturalized Epistemology”?)
Evidência pode fazer diferença naquilo que alguém está
justificado em acreditar, ou seja aquilo que é razoável a alguém acreditar.
Alguns filósofos sustentam que aquilo no qual alguém está justificado a
acreditar é determinado pela evidência dessa pessoa.
Evidencialismo: Formulado como uma tese de acordo com
o qual os fatos normativos em relação àquilo que alguém está justificado a
acreditar sobrevêm aos fatos sobre a evidência da qual essa pessoa dispõe.
(CONEE; FELDMAN,2004)
O cético sobre o nosso conhecimento do mundo externo insiste
que a evidência de um sujeito (totalidade de suas experiências presentes) não
favorece as perspectivas ordinárias, de senso comum.
Conceito de ter uma razão: Razão para crer e evidência são
mais ou menos sinônimos.
Visto que aquilo que a pessoa está justificada em acreditar
depende da evidência que dispõe, o que é relevante nesse caso é a sua relação
com a evidência total e uma evidência é anulável apenas no caso de haver uma
evidência adicional negativa. É uma questão controversa se há alguma evidência
que nesse sentido seja não-anulável.
Para que o sujeito esteja justificado em acreditar em uma
proposição não é suficiente que essa proposição seja bem apoiada por algum
subconjunto próprio da evidência total desse sujeito; o que é relevante é o
grau como qual a evidência total do sujeito apoia a proposição.
(Segundo,2021, p.116)
O bayesiano sustenta que aquilo que é razoável para o sujeito
acreditar depende tanto da evidência que lhe é apresentada quanto da sua
distribuição de probabilidade prévia.
(Segundo, 2021, p.118)
CONFIABILISMO: Diz que o status de uma crença
particular como justificada ou injustificada depende do processo psicológico
que produz a crença ser ou não confiável, o processo de formação da crença ser
ou não de fato confiável.
2- SUJEITOS RACIONAIS RESPEITAM A EVIDÊNCIA
Um homem racional é aquele que faz uso apropriado da
razão: e isso implica, dentre outras coisas, que ele estime
corretamente a força da evidência.
(Ayer, Probability and Evidence)
Na medida em que somos racionais em nossas crenças, a
intensidade da crença tenderá a corresponder à firmeza
da evidência disponível. Na medida em que somos
racionais, abandonaremos uma crença depois de termos
tentado em vão encontrar evidência em seu favor.
(Quine e Ullian, The Web of Belief)
Um homem sábio adequa a sua crença à sua evidência.
(David Hume,
An Enquiry Concerning Human Understandig)
É uma das características dos agentes racionais respeitar a
sua evidência e seu ponto de vista reflete o caráter da sua evidência manifesta
uma sensibilidade e responde adequadamente as mudanças em sua evidência ao
longo do tempo. Mas a racionalidade não é garantia de correção, é possível que
alguém se engane seguindo a própria evidência quando ela é enganadora. Na
medida que respeita a própria evidência um sujeito não é irrazoável ainda que
esteja errado.
Concepção fenomênica de evidência: Apenas as experiências do
sujeito podem servir como evidência.
De acordo com a concepção de
Williamson segundo a qual a evidência é conhecimento, as experiências do
sujeito não contam como evidência na melhor das hipóteses, a evidência do
sujeito inclui proposições sobre aquelas experiências que ele sabe ter. Ainda
que abandonemos a concepção fenomênica de evidência, poderíamos ainda sustentar
a ideia de que a evidência do sujeito inclui suas experiências na medida em que
suas experiências possam fazer, e geralmente fazem, diferença àquilo que ele
está justificado em acreditar, a despeito de ele formar crenças sobre as
próprias experiências.
(Segundo, 2021, p.128)
3- EVIDÊNCIA COMO UM GUIA PARA A VERDADE: EVIDÊNCIA COM
SINAL, SINTOMA OU MARCA
A situação na qual se poderia dizer apropriadamente que
tenho evidência a favor da afirmação de que algum animal
é um porco é aquela, por exemplo, em que o próprio bicho
não pode ser visto, embora eu possa ver pegadas como
as de porcos fora do chiqueiro. Se encontro alguns
cochos de comida para porco, consigo um pouco mais de
evidência; o barulho e o cheiro podem fornecer ainda mais
evidência. Mas se o animal aparece e fica completamente
visível, coletar evidência passa a ser desnecessário; ele
estar visível não me fornece mais evidência de que seja
um porco; eu agora posso simplesmente ver que é.
(J. L. Austin, Sense and Sensibilia)
“Faltou evidência, Deus! Faltou evidência!”
Bertrand Russell, sobre a resposta que daria a Deus se,
depois de morto, Deus lhe perguntasse por que ele não foi
um crente.
A verificação é o caso limite da confirmação, um bocado de
evidência verifica uma hipótese e estabelece que a hipótese é verdadeira. O
falseamento é o caso limite do enfraquecimento e um bocado de evidência falseia
uma hipótese apenas no caso em que estabelece conclusivamente que a hipótese é
falsa.
Apenas as proposições que sejam consistentes com a evidência
do sujeito são candidatas à verdade e talvez a noção fundamental da evidência
seja a de algo que sirva como um sinal, sintoma ou marca confiável daquilo que
a evidência indica.
A princípio, a ideia de evidência como um indicador confiável
tende a encorajar uma imagem inclusiva dos tipos de coisas elegíveis ao posto
de evidência, de acordo com a qual tanto objetos mentais quanto não-mentais,
eventos e estados de coisas podem ser qualificar para tal.
(Segundo, 2021, p.133)
Isso sugere que a noção de evidência vigente em afirmações
como “a evidência tende a justificar crenças” e “os sujeitos racionais
respeitam a evidência” não pode simplesmente ser identificada com a evidência
no sentido de indicador confiável. Chamemos a evidência do primeiro tipo de
evidência normativa, e a evidência do segundo de evidência indicadora. Embora a
noção de evidência não possa simplesmente ser identificada com a noção
indicadora, deveríamos esperar que as duas estivessem intimamente relacionadas,
na medida em que a posse de evidência normativa depende, frequentemente, de o
sujeito estar ciente de que algo seja evidência indicadora de outra coisa.
(Segundo, 2021, p.135)
4- OBJETIVIDADE, PUBLICIDADE E INTERSUBJETIVIDADE:
EVIDÊNCIA COMO ÁRBITRO NEUTRO
Aquilo que é creditável [...]
não é a mera crença nisso ou
naquilo, mas terse chegado
nela por um processo que,
tivesse a evidência sido
diferente, o sujeito teria adquirido
a mesma prontidão na crença
contrária.
(Blanshard, Reason and Belief)
É normal supor que o conceito de evidência esteja ligado ao
desejo cognitivo da objetividade. Nessa linha de pensamento os indivíduos são
objetivos na medida em que deixam seus pontos de vista e passam a serem guiados
pela evidência e não pelas influências típicas do dogma ideológico, dos
preconceitos a favor dos mais próximos ou da reinvindicação de autoridade
considerada pela tradição.
A investigação objetiva é
guiada pela evidência, o que permite o acordo intersubjetivo entre os
investigadores. Assim, considera-se amplamente que a razão pela qual as
ciências naturai exibem um grau de consenso visivelmente ausente em muitas
outras áreas é elas serem guiadas por evidência, e, portanto, objetivas, de um
modo que essas outras áreas não são.
(Segundo, 2021, p.140)
Primeiro, a afirmação de que “a
evidência é anterior à teoria” poderia sugerir um modelo simples do método
científico geralmente associado (justa ou injustamente) a Francis Bacon. De
acordo com o modelo em questão, a coleta de evidência é temporalmente anterior
à formulação de qualquer teoria ou teorias no domínio relevante.
(Segundo,2021, p.140)
BIBLIOGRAFIA:
SEGUNDO, L. H. Marques & Juliano Santos do Carmo. Textos
selecionados de Epistemologia, Editora UFPel , Pelotas, 2021
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